domingo, 14 de agosto de 2011

Desoneração não anima indústria têxtil no RN


A desconfiança é a melhor parte do conhecimento. A frase é creditada à Mahatma Gandhi, líder do movimento de independência indiana. De sua autoria ou não, ela representa a sensação vivida pela indústria têxtil e de confecções no Rio Grande do Norte. O setor olha com desconfiança para a redução de encargos da folha de pagamento de cinco setores da Indústria, recém anunciada pelo governo federal. A medida, dizem empresários, pode não surtir o efeito esperado no RN. A indústria têxtil e de confecções, que seria a mais beneficiada com a medida dentro do Estado, ainda não fez os cálculos.
ana silva
Setor de confecções ainda emprega grande contingente de mão de obra. Em Jardim de Piranhas, oitenta das duzentas tecelagens fecharam nos últimos tempos
Setor de confecções ainda emprega grande contingente de mão de obra. Em Jardim de Piranhas, oitenta das duzentas tecelagens fecharam nos últimos tempos

De acordo com João Lima, presidente do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do RN, antes de tomar qualquer partido, é preciso analisar as planilhas e avaliar o real impacto nos custos. O Sindicato ainda não sabe se a redução de encargos trabalhistas reduzirá gastos ou aumentará a produção. "A desoneração passa a vigorar em dezembro. Até lá, cada empresa terá de fazer as contas e ver se a medida aumenta a produção ou reduz os preços".

A medida, que poderia trazer um fôlego extra para o setor, pode não passar de um suspiro, na ótica do presidente da Federação das Indústrias do RN, Flávio Azevedo. O setor, que inclui confecções e emprega quase 40 mil pessoas no estado, enfrenta uma  queda gradativa nas exportações, consequência da desvalorização do dólar e da concorrência desleal com produtos chineses. Fatores que atingem pequenos e grandes. Em Jardim de Piranhas, a crise provocou o fechamento de 80 das 200 tecelagens e a demissão de mais de 2 mil pessoas no primeiro semestre de 2011.

A situação, segundo Antônio Dutra, presidente da Cooperativa dos Produtores Têxteis de Jardim de Piranhas, continua a mesma. "Nenhuma tecelagem reabriu. Toda semana tem demissão". Segundo ele, o problema  começou com a alta de quase 200% do algodão, no primeiro semestre. Depois disso, o setor "desmantelou-se e não entrou mais no eixo". Antônio não vê uma solução aparente para o problema. Pelo menos, não a curto prazo. "Não sei se esta medida do governo chega até Jardim de Piranhas", confessa.

Segundo Antônio, o fechamento das tecelagens provocou um verdadeiro efeito dominó na região. "Se o empregado não recebe o salário, como vai pagar o supermercado, o frigorífico, a loja de roupa? A cidade onde todo mundo recebia está uma lástima. Quando a tecelagem morre, todos os outros setores morrem também". Antes da crise, as tecelagens de Jardim de Piranhas empregavam 4 mil pessoas. "Este número caiu pela metade", resume Antônio Dutra.

Para piorar a situação, a cooperativa perdeu o convênio com o BNDES. O dinheiro seria usado para construir uma unidade de alvejamento e tingimento de tecidos, mas foi recolhido pelo banco porque Estado e Município não entregaram o prédio que sediaria a unidade a tempo. "Doamos o terreno em 2007, mas o prédio só foi concluído agora. O banco mandou um ofício cancelando o convênio. O serviço está sendo terceirizado".

Segundo Antônio Dutra, com a terceirização, o custo de produção aumentou em 50%.  Mas não é apenas a terceirização que preocupa. "A forte concorrência dos produtos asiáticos (China,  Singapura, Vietnã, e outros países da região) tem imposto dificuldades à indústria nacional, principalmente nos segmentos têxtil, confecções e vestuário, eletroeletrônico e calçados", esclarece o economista Marcus Guedes.

Para o economista, o baixo preço praticado pelos produtos vindos de fora, agravado com a elevada carga tributária existente no País, faz com que não apenas o setor industrial enfrente dificuldades de mercado, como também outros setores. "O comércio, repassador dos produtos manufaturados, também sente o impacto da presença de produtos estrangeiros aqui comercializados, sem que tenham os mesmos padrões de qualidade do produto nacional", acrescenta Marcus.

Medidas aumentam a competitividade, diz Fiesp

Para a Federação da Indústria de São Paulo (Fiesp), a desoneração em 20% da folha de pagamento de toda a indústria brasileira - e não só de segmentos específicos, como autorizou o governo federal na semana passada - reduziria o preço dos produtos finais em 1,81%, elevaria o nível de investimento em 11% e reduziria os custos de mão de obra em 20%. Isso, entretanto, se o governo não criasse custos adicionais para a atividade. Não foi isso o que ocorreu. Em 'troca' da desoneração, o governo vai taxar o faturamento dos segmentos beneficiados em 1,5%. No caso do segmento de  Tecnologia da Informações, a taxa sobe para 2,5%.

A Fiesp analisou o impacto dos encargos trabalhistas em 34 países, com base nos dados compilados pelo Departamento de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos (BLS, sigla em inglês de Bureau of Labor Statistics), e concluiu que o Brasil é líder em encargos trabalhistas.  Enquanto no Brasil, eles correspondem a 32,4% dos custos, na Europa corresponde a 25%. Segundo a Fiesp, que não indicou nenhum porta-voz para comentar a pesquisa, quando comparado aos países em desenvolvimento, a posição do Brasil é ainda pior. Os encargos são 14,7% dos custos em Taiwan e 17% na Argentina, por exemplo. Aqui, eles respondem por 1/3 dos custos com mão de obra.

Para o diretor do departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho, em entrevista ao Estado de São Paulo em 24 de julho, "os encargos incidentes na folha de salários traduzem-se em encarecimento da mão de obra, e dos custos de produção de bens e serviços, afetando a competitividade". Para Roriz, o problema seria mais grave na indústria de transformação, cujos bens em geral competem em mercados com escalas globais. A saída, segundo a Fiesp, seria a desoneração sem contrapartida.    

De acordo com o economista Marcus Guedes, que defende a desoneração, "estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário  apontam que o brasileiro trabalha, praticamente, 5 meses no ano somente para pagar tributos, os mais diversos".

Energia elétrica pesa nos custos

 Além dos altos encargos trabalhistas, a indústria brasileira - entre elas a têxtil - reclama do peso da energia elétrica no custo da produção. Segundo estudo inédito da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), divulgado recentemente pela Folha de São Paulo, a indústria brasileira paga a quarta conta de energia mais cara do mundo.  O levantamento, porém, como alerta o economista William Pereira, do Departamento de Economia da UFRN, só leva em consideração 27 países - o que pode superdimensionar os números. Segundo o levantamento, o Brasil fica atrás apenas da Itália, Turquia e República Tcheca. Com uma tarifa de consumo industrial que gira em torno de R$329 por MWh,  o preço brasileiro é 53% superior à média mundial (R$215,50 por MWh).

A tarifa do Rio Grande do Norte, por sua vez, é 42% superior a tarifa média dos 27 países pesquisados. Não é o único, porém. Segundo a Firjan, nenhum estado brasileiro possui tarifa de energia em patamares competitivos, seja quando comparada à média mundial, aos principais países da América Latina ou mesmo aos principais parceiros comerciais do Brasil.

O trabalho, segundo a Firjan, reforça o alto peso de encargos e impostos sobre o custo total. Eles representam 48,6% da tarifa. De acordo com a Federação, a energia elétrica representa, em média, 10% do custo total da indústria. Quanto mais altos os custos, maior o preço dos produtos finais e menor a competitividade dentro e fora do estado.

Uma das causas da falta de competitividade da indústria brasileira são os altos custos de geração, transmissão e distribuição, que compõe a  primeira parte da tarifa e, sozinhos, superam os preços finais da energia nos três principais parceiros comerciais brasileiros - China, Estados Unidos e Argentina, segundo a Firjan.

"Outros componentes críticos são os encargos que respondem por 17% da tarifa final de energia elétrica da indústria. Com destinações diversas, e muitas vezes sobrepostas, eles contribuem para eliminar a assimetria das tarifas entre as regiões do Brasil", diz o estudo. Enquanto a alíquota média dos tributos federais e estaduais cobrada na tarifa de energia elétrica industrial no Brasil é de 31,5%, em países como Chile, México, Portugal e Alemanha o peso dos tributos é zero.

"Avaliando os componentes que fazem parte da tarifa industrial brasileira, observamos que já de partida ela não é competitiva. Comparando o total dos custos operacionais que compõem a tarifa industrial de energia para o Brasil com a tarifa industrial final dos demais 27 países, fica nítida a baixa competitividade brasileira: em média, a tarifa composta apenas pelo custo operacional do Brasil (169,2 R$/MWh) é 20% superior à tarifa final de 140,7 R$/MWh para a energia elétrica industrial praticada nos demais países dos BRICs (Rússia, Índia e China)", observa Tatiana Lauria, especialista em infraestrutura da Firjan.

Segundo Tatiana, a energia elétrica é um insumo importante para as indústrias. "Em algumas indústrias, como as eletrointensivas (que consomem muita energia elétrica), o custo da energia elétrica pode chegar a ter um peso de 40% sobre seus custos totais, isso eleva o preço final dos produtos industriais", afirma.

Economista pede contrapartidas

A falta de exigências para ampliação da oferta de trabalho ou redução dos preços pode anular os possíveis efeitos da redução dos encargos trabalhistas, incluída no plano Brasil Maior,  recém-anunciado pelo governo federal, segundo o professor William Pereira, do Departamento de Economia da UFRN. "O empresariado pode simplesmente aproveitar a redução dos encargos para ampliar lucros. Já vimos muitos casos desses, não somente no Brasil. Recentemente nos EUA, o governo liberou recursos para bancos se reestruturarem, e parte desses recursos foram para as mãos dos executivos", relembra.

O professor ressalta que "o Brasil, de fato, tem uma elevada carga tributária, e em particular, elevados encargos trabalhistas. No entanto, não é o "campeão", nem o maior na carga tributária e nos encargos tributários". Segundo ele, "ao contrário dos discursos da Fiesp e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil não tem a maior carga tributária do mundo, mas a 18ª (registrando 35% do Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas por uma nação)".

Segundo William, a metodologia utilizada em estudos como esse pode acentuar ou reduzir a posição de qualquer país no ranking da carga tributária. Apesar de discordar da forma como os dados foram coletados, o professor esclarece que o Brasil tem sim uma das cargas tributárias mais altas do mundo (mas não é o líder). Antes de dizer se a redução dos encargos alivia o setor, é preciso saber, segundo o economista, qual a contrapartida do empresariado. "Afinal, o governo perde recursos, que devem, ou deveriam, ser aplicados na saúde, na educação, na infra-estrutura". Para ele, a medida pode criar novos postos de trabalho, aumentar a produção, baratear os produtos desde que haja há garantias de que isso vai acontecer. "É da lógica do capitalismo a busca por lucros. E se para isso for necessário não reduzir preços das mercadorias, e reduzir postos, isso será feito".


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